SABERES TRANSDISCIPLINARES E ORGÂNICOS.

domingo, 12 de maio de 2024

E tá faltando emprego e planeta para os macacos, humanos, cavalos....

 





A escritora premiada por livro sobre feminicídio da irmã: 'Ex-namorado decidiu que ela não teria uma vida sem ele'

 

A escritora premiada por livro sobre feminicídio da irmã: 'Ex-namorado decidiu que ela não teria uma vida sem ele'

Cristina Rivera Garza

CRÉDITO, JUAN RODRIGO LLAGUNO

  • Author, Redação
  • Role, BBC News Mundo

Sempre que a escritora mexicana Cristina Rivera Garza tentava escrever sobre o feminicídio da sua irmã Liliana, assassinada em 1990 com apenas 20 anos de idade, faltavam-lhe as palavras.

Até que, em 2020, incentivada pela efervescência dos movimentos feministas na América Latina, ela decidiu abrir as caixas de pertences da sua irmã, que estavam intactas desde sua morte. E aqueles papéis ajudaram Rivera Garza a encontrar uma nova forma de contar o que aconteceu.

O resultado foi o livro El invencible verano de Liliana ("O verão invencível de Liliana", em tradução livre), a obra mais íntima de uma das autoras mais importantes da atualidade em língua espanhola. Ela recebeu o prêmio Pulitzer, na categoria Memórias ou Autobiografia.

A romancista, poetisa e ensaísta nascida em 1964 no Estado de Tamaulipas, no nordeste do México, também é professora da Universidade de Houston, no Texas (Estados Unidos). Sua obra prolífica inclui também os títulos Nadie me Verá Llorar ("Ninguém me verá chorar", 1999), La Cresta de Ilión ("A crista ilíaca", 2002), Verde Shanghai ("Verde Xangai", 2011) e El Mal de la Taiga ("O mal da taiga", 2012).

"Por muitos anos, não fui capaz sequer de pronunciar seu nome, muito menos de falar sobre o que ela havia passado", declarou a escritora em entrevista ao programa de rádio Outlook, do Serviço Mundial da BBC.

"A dor se converteu em um silêncio forçado e muito particular, frequentemente vinculado a sentimentos de culpa e vergonha, pois é assim que a sociedade mostra estas histórias". ela conta.

Luta por justiça

O livro de memórias sobre Liliana foi elogiado pela sua importância e honestidade. Ele é não só um tributo de Rivera Garza à vida de sua irmã, mas também uma poderosa e comovedora análise da dor, da violência e da luta pela justiça no labiríntico sistema judicial mexicano.

Capa do livro 'El invencible verano de Liliana'

CRÉDITO, PENGUIN RANDOM HOUSE

Legenda da foto, O livro El Invencible Verano de Liliana, publicado em 2021
Logo: WhatsApp BBC Brasil
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular

Entre no canal!

Fim do WhatsApp

Liliana Rivera Garza estudava na Universidade Nacional Autônoma do México. Ela morreu com 20 anos de idade, no dia 16 de julho de 1990.

A jovem havia passado anos tentando encerrar seu relacionamento com um namorado do ensino médio, "que insistia em não a deixar ir". E, quando Liliana finalmente tomou a decisão, "ele decidiu que ela não teria uma vida sem ele", contou Rivera Garza à BBC.

Quase três décadas depois, a escritora encontrou uma caixa de cartas, escritos e anotações de Liliana – um arquivo detalhado dela própria e de sua vida. Com estes documentos, Rivera Garza empreendeu um trabalho meticuloso de reconstrução da vida e da morte da sua irmã mais nova.

"O que encontrei foi uma total surpresa para mim", ela conta.

"Eram toneladas de pequenos pedaços de papel... havia todo tipo de coisa que ela havia escrito, anotações para si própria, lembretes para comprar comida para o gato, cartas para seus amigos, mensagens... e cadernos, onde havia escrito o que pensava."

"No momento em que toquei naqueles papéis, a sensação da presença de Liliana foi avassaladora", conta a escritora. "Eu soube, então, que finalmente teria um livro, que seria a voz de Liliana, e que esse livro teria que existir."

Rivera Garza considerou que esta história seria um instrumento de denúncia e busca de justiça. Afinal, três décadas depois, ninguém havia sido condenado pelo assassinato da sua irmã.

Não houve nenhuma prisão ou acusados, nem julgamento. Nenhum indício de justiça para a jovem.

'Soube que algo terrível havia acontecido'

Em 1990, as duas irmãs viviam vidas separadas. Liliana estudava na Cidade do México e Cristina fazia doutorado em Houston.

Em julho daquele ano, duas mulheres do consulado mexicano bateram à porta da escritora. E o mundo dela "desabou".

"Quando abri a porta e elas mencionaram o nome de Liliana, eu soube imediatamente que algo terrível havia acontecido", relembra ela.

"Disseram que havia ocorrido um acidente. Perguntei se era fatal e elas disseram que sim. Não quis perguntar mais nada."

Cristina Rivera Garza

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, 'A única coisa que pode transformar o luto é a justiça; nem o perdão, nem o esquecimento'

Rivera Garza se encarregou de todas as "providências práticas" que se seguiram à morte de Liliana. Ainda hoje, ela conta que não sabe ao certo quando ou como ela tomou conhecimento da causa da morte da sua irmã.

"Lembro que um tio disse: 'espero que Liliana tenha tido na sua vida um grande amor'", ela conta.

"Eu fiquei alarmada com esse comentário e, pela primeira vez, pensei na possibilidade de que pudesse ter ocorrido algum tipo de violência doméstica. Ninguém havia me dito nada. Foi esse comentário que me fez pensar naquilo."

"Quando cheguei à Cidade do México [...], eu me reuni com um primo que me tomou pelo braço, disse que eu me sentasse, que precisava falar comigo", relembra ela. "E, chorando, ele me contou que, depois de analisar as informações, ficou claro que Ángel González Ramos, seu ex-namorado, havia assassinado Liliana."

A jovem foi encontrada morta no seu apartamento. Ela havia sido asfixiada e, provavelmente, agredida sexualmente. E a polícia suspeitava que Ángel González Ramos fosse o responsável.

Testemunhas haviam visto ou ouvido o ex-namorado de Liliana no edifício onde ela morava. Por isso, desde o início das investigações, González Ramos passou a ser o principal suspeito.

Mas, quando soube que a polícia estava à sua procura, ele fugiu e nunca foi preso. O caso de Liliana se tornava mais um de uma longa lista de feminicídios não resolvidos no México.

Dificuldade de falar

No seu livro, Rivera Garza indica que o luto vivido por sua família com a morte de Liliana e a confusão causada pelo que ocorreu dificultaram, de alguma forma, a busca de justiça.

"O que acontece durante o luto, quando você perde alguém violentamente, é, sobretudo, a dificuldade de falar sobre aquilo, de forma justa para a vítima", explica Rivera Garza. "Por isso, foi muito difícil para nós falar sobre o que havia acontecido."

"A forma como a sociedade mostra essas histórias, muitas vezes, culpa a vítima e inocenta os perpetradores." Foi assim que, por 30 anos, a família não disse "absolutamente nada" sobre a morte de Liliana.

Apenas nos últimos anos, com a maior compreensão da discriminação e da violência contra as mulheres, eles puderam afirmar que Liliana havia sido vítima de feminicídio.

"Acompanhei o desenvolvimento de um forte movimento feminista, tanto na América Latina, quanto em outros lugares", ela conta.

"Observei como estavam surgindo narrativas capazes de questionar e derrubar as narrativas patriarcais que não haviam permitido, a mim e a muitas outras pessoas, falar abertamente sobre este tipo de violência. E assim soube que a história que eu não havia conseguido contar agora poderia ser registrada de uma forma que não prejudicasse minha irmã e que outras pessoas estivessem dispostas a ouvir."

Quando El Invencible Verano de Liliana foi publicado, em 2021, a autora esperava conseguir alguma informação sobre o assassinato de sua irmã.

Ela conta que recebeu "toneladas de mensagens por correio eletrônico". E uma delas era de uma pessoa que dizia ter sido amigo de González Ramos.

A mensagem incluía um link, que dizia ser para o funeral do ex-namorado de Liliana. Supostamente, ele havia usado outro nome e teria morrido no sul da Califórnia.

"Quando cliquei no link, encontrei fotografias de Ángel González Ramos desde a infância até os anos 2020", relembra a escritora.

"Uma parte de mim ficou convencida que o homem havia morrido. Mas outra parte acha que é uma enorme coincidência que, quando começo a procurá-lo, ele convenientemente está morto."

Rivera Garza afirma que isso fez com que ela se sentisse "profundamente triste porque, de alguma forma, eu estava certa de que conseguiria pegá-lo."

"Mas o que sei agora, depois de todo este tempo, é que Liliana, da mesma forma que muitas outras mulheres, não conhecia as palavras que teriam permitido a ela identificar e se proteger contra a violência de gênero."

"E também sei que contar estas histórias é uma questão de vida ou morte em muitos lugares do mundo", prossegue ela. "Porque a única coisa que pode transformar o luto é a justiça; nem o perdão, nem o esquecimento."

"Por isso, é importante continuar denunciando os fatos que passaram impunes", defende Rivera Garza.


Protestos pró-Gaza em universidades dos EUA: quais os paralelos com manifestações contra guerra no Vietnã em 1968

 

Protestos pró-Gaza em universidades dos EUA: quais os paralelos com manifestações contra guerra no Vietnã em 1968

Protestos

CRÉDITO, GETTY IMAGES/REUTERS

Legenda da foto, À esquerda, a cantora Joan Baez em protesto contra a Guerra do Vietnã em 1968. À direita, uma manifestante pró-Palestina há poucos dias em Nova York.
  • Author, William Márquez
  • Role, BBC News Mundo

Os protestos contra a guerra em Gaza se expandiram em algumas das principais universidades dos Estados Unidos nas últimas semanas.

Em alguns casos, as instituições recorreram à polícia e à guarda nacional para retirar os manifestantes, prendendo centenas deles.

Estudantes protestaram contra a guerra que já matou mais de 34 mil pessoas depois dos ataques do grupo islâmico Hamas em 7 de outubro, quando 1,2 mil pessoas morreram no território israelense e mais de 200 foram sequestrados.

Os estudantes pedem às suas universidades que cortem os seus laços financeiros com empresas israelenses e estrangeiras que "estão lucrando" com a guerra e que parem de colaborar com instituições de ensino de Israel.

Muitos analistas e meios de comunicação compararam os confrontos violentos durante a recente dispersão dos protestos na Universidade de Columbia com os ocorridos em 1968 naquela famosa universidade de Nova York.

Os protestos daquele ano foram motivados pela raiva causada pela Guerra do Vietnã e pelas mudanças no recrutamento militar que estavam fazendo com que mais jovens fossem convocados a servir nas forças armadas dos EUA.

A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com jornalistas, ativistas e escritores que viveram as manifestações de 1968 para analisar os paralelos com o momento atual.

Os principais acontecimentos de 1968

  • Janeiro – Ofensiva do Tet: um ataque surpresa generalizado do Vietnã do Norte e do vietcongues contra os EUA e os seus aliados sul-vietnamitas.
  • Abril – Assassinato de Martin Luther King Jr: o líder anti-guerra, defensor dos direitos dos afro-americanos e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, é assassinado em Memphis, no Tennessee.
  • Maio – Maio Francês: ocorre uma onda de protestos estudantis e greves de trabalhadores contra consumismo, capitalismo, imperialismo e autoritarismo.
  • Junho – Assassinato de Robert F. Kennedy: candidato à presidência dos EUA, que era contra a continuidade da guerra, é assassinado em um hotel em Los Angeles, Califórnia.
  • Agosto – Invasão soviética da Tchecoslováquia: tanques da União Soviética e três aliados do Pacto de Varsóvia entraram em Praga para reprimir um movimento de libertação.
  • Agosto – Protestos sangrentos na Convenção Democrata: milhares de manifestantes são violentamente reprimidos pelas forças de segurança em Chicago.
  • Outubro – Massacre de Tlatelolco: o exército do México atira com armas de fogo em uma manifestação estudantil pedindo reformas, deixando entre 300 e 400 mortos.
  • Novembro – Eleição de Richard Nixon: o candidato republicano derrota o democrata Hubert Humphrey e vira presidente dos EUA.
Protesto 1968

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, Uma multidão protesta em 5 de abril de 1968, em Nova York, contra o assassinato do líder Martin Luther King Jr.

O quadro da guerra

Logo: WhatsApp BBC Brasil
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular

Entre no canal!

Fim do WhatsApp

Em 1968, a Guerra do Vietnã atingiu o seu ponto mais crítico. 

Em janeiro, forças norte-vietnamitas apoiadas por guerrilheiros vietcongues atacaram as posições dos Estados Unidos e dos seus aliados, penetrando até Saigon, então capital do Vietnã do Sul.

A operação ficou conhecida como Ofensiva do Tet, em homenagem ao ano novo lunar. Embora tenha sido uma derrota militar para as forças comunistas do norte, as imagens do ousado ataque começaram a mudar a opinião do público americano sobre a guerra.

O incidente revelou que o governo do presidente Lyndon B. Johnson, que falava de "uma luz no fim do túnel", não tinha hipóteses de vencer a guerra e mentiu ao povo sobre a verdadeira situação do conflito.

"Foi isso que começou tudo", diz Kenneth Walsh, professor da American University, em Washington, que era estudante na época, à BBC News Mundo.

"Ficou claro para o país que o inimigo não iria desistir, que haveria muito mais baixas de forças, tanto americanas como comunistas, e muitas mortes de civis", diz Walsh, autor de vários livros e ex-correspondente na Casa Branca.

Décadas depois, a incursão de membros do Hamas em território israelense, em 7 de outubro de 2023, chocou o mundo, que expressou solidariedade a Israel.

No entanto, depois de meses de bombardeios implacáveis de Israel, o número de vítimas palestinas atingiu uma magnitude inimaginável há seis meses, enquanto a população de Gaza vive à beira da fome.

"As imagens que todos vimos de Gaza nos últimos meses são de uma resposta israelense incrivelmente desproporcional", diz o jornalista Charles Kaiser, que trabalhou no jornal The New York Times e autor de um livro sobre o ano 1968 nos Estados Unidos.

"Vamos ser claros. O que o Hamas fez foi assustador, terrível e nojento", diz Kaiser. "Mas é inédito que Israel tenha aproveitado este horrendo incidente terrorista e o tenha transformado numa razão para (gerar) o maior ódio contra Israel que já vi na minha vida."

É essa reação negativa que tem alimentado os protestos crescentes nos campi universitários dos Estados Unidos, que muitos consideram muito semelhantes aos de 1968.

Kenneth Walsh

CRÉDITO, DIVULGAÇÃO

Legenda da foto, Kenneth Walsh é professor da American University, em Washington, e era estudante durante os protestos de 1968

Os protestos estudantis

"O que está acontecendo agora é muito parecido com o que tínhamos naquela época. Em 1968, estudantes ocuparam os campi e edifícios universitários em oposição à Guerra do Vietnã e questionaram os investimentos das autoridades administrativas em empresas ligadas ao aparelho militar", afirma Kenneth Walsh.

"Hoje em dia, naturalmente, é um conjunto diferente de questões; apoio aos palestinos e à crise em Gaza. Mas a razão central agora, tal como em 1968, é a raiva, o ressentimento e um sentimento de injustiça. Portanto, muitas das coisas que estão acontecendo nos EUA agora nos levam de volta a 1968, aquele ano muito tumultuado."

No entanto, Mark Kulansky, um ativista em 1968 e autor do livro 1968: The Year that Rocked the World (1968 - O Ano que Abalou o Mundo, em tradução livre), não acredita que haja muitas semelhanças entre os protestos daquela época e os atuais, com exceção talvez do que ocorreu no Hamilton Hall, edifício administrativo icônico da Universidade de Columbia, do qual foram retirados à força os estudantes.

"A situação é completamente diferente. Estávamos enfrentando uma guerra em que nosso governo nos obrigava a lutar e éramos teimosos em resistir", ressalta. “A guerra no Vietnã foi algo que aconteceu conosco, e aqueles que protestam agora sabem que não serão envolvidos em uma guerra em Gaza."

Hamilton Hall

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, Em 1968, os estudantes ocuparam o Hamilton Hall, o icônico prédio administrativo da Universidade de Columbia

No entanto, o jornalista Charles Kaiser, que foi estudante em Columbia no final da década de 1960 e escreveu sobre os subsequentes protestos anti-guerra, acredita que as atuais manifestações devem ser elogiadas.

"De certa forma, essas manifestações são mais surpreendentes porque não há nenhum elemento de risco pessoal, mas sim uma postura devido ao impacto das imagens de Gaza", diz. "Sou fortemente a favor de qualquer protesto que, de uma forma não violenta, expresse oposição às táticas israelenses. Penso que é a coisa mais pró-Israel que se pode fazer, porque a forma como estão conduzindo a guerra é completamente egoísta e destrutiva."

Por sua vez, Mark Kulansky acredita que as manifestações foram contraproducentes e deram força àqueles que as criticam. 

"Sou um daqueles judeus problemáticos, nunca fui um grande apoiante de Israel e entre muitos de nós havia um movimento muito contrário ao governo de Netanyahu", reconhece.

"Mas já nos calamos. Se eles (os manifestantes) tivessem lidado com a situação de forma diferente, poderiam ter tido um movimento judeu e palestino contra a guerra."

Charles Kaiser também alerta sobre as expressões antissemitas ouvidas de alguns manifestantes em Columbia e outras universidades. 

"Faço uma grande distinção entre protestos pacíficos e pessoas que pedem a morte dos seus opositores."

De qualquer forma, Kaiser condena a forma como muitos dos protestos foram reprimidos pelas autoridades, da mesma forma que aconteceu em 1968.

"Em regra geral, a menos que intervenham para evitar um estado ativo de violência, levar a polícia para o campus é sempre um erro, porque tudo o que faz é inflamar mais os ânimos e tornar todos mais enraizados nas suas posições", diz.

"Embora os manifestantes pareçam ter estudado os antecedentes de 1968 e recebido conselhos dos mais velhos, os atuais administradores universitários não parecem ter tomado as mesmas precauções, revendo os erros cometidos pelos seus antecessores."

Charles Kaiser

CRÉDITO, JOE STOUTER

Legenda da foto, O jornalista americano Charles Kaiser estudou na Universidade de Columbia no final dos anos 1960 e reportou sobre os protestos contra a Guerra do Vietnã

Ano eleitoral nos EUA

O mundo estava verdadeiramente em turbulência em 1968. 

Não só a oposição à Guerra do Vietnã havia se consolidado nos Estados Unidos, como também ocorreram revoltas estudantis em vários outros países, mais notavelmente na França, com o movimento de maio de 1968 (ou Maio Francês).

Além disso, havia tensões entre o Ocidente e os soviéticos. 

A União Soviética e alguns dos seus aliados do Pacto de Varsóvia invadiram a então Tchecoslováquia com os seus tanques, chegando a Praga para depor o líder reformista Alexander Dubček e impor novamente o autoritarismo comunista.

Nos Estados Unidos, o líder pacifista e defensor dos direitos dos afro-americanos Martin Luther King Jr foi assassinado. Poucos meses depois, aconteceu o mesmo com o candidato democrata Robert F. Kennedy, irmão do presidente assassinado John F. Kennedy.

A sociedade estava totalmente polarizada nos EUA, com tumultos em dezenas de cidades. No meio de todo esse caos, o enfraquecido presidente Lyndon B. Johnson anunciou que não iria tentar a reeleição. A incerteza cercou as eleições presidenciais que seriam realizadas em novembro de 1968.

Estudantes em Portland

CRÉDITO, GETTY IMAGES

Legenda da foto, Estudantes da Universidade Estadual de Portland, em Oregon, confrontam a polícia

"Em 1968, (o candidato republicano) Richard Nixon usou as revoltas estudantis para projetar a ideia da necessidade de reprimir o crime e de que os democratas eram fracos na lei e na ordem. Essa foi uma das razões pelas quais ele ganhou as eleições", diz Kenneth Walsh, autor do livro The Architects of Toxic politics in America (Os arquitetos da política tóxica na América).

É precisamente esse o argumento que o candidato republicano Donald Trump utiliza agora contra o presidente Joe Biden

"Se o que o país quer é lei e ordem e a questão do crime se tornar mais proeminente, isso, em teoria, poderia beneficiar (Donald) Trump. Portanto, há outro paralelo com o passado", diz Walsh.

O resultado das eleições presidenciais de novembro deverá ser apertado. Charles Kaiser destaca que, embora não tenha conseguido influenciar a forma como Israel conduz a guerra em Gaza, o presidente Biden está longe da posição enfraquecida que Lyndon B. Johnson tinha em 1968.

O que ele teme, porém, é um potencial paralelo com o passado: a Convenção Democrata que vai ratificar Biden como candidato presidencial do partido será realizada na cidade de Chicago, palco dessa mesma convenção em 1968, que terminou em violento confronto entre ativistas e a polícia.

"Fala-se muito em replicar as manifestações universitárias de Chicago durante a convenção e que, em 1968, se revelaram uma catástrofe política" para os democratas, alertou.

"Em 1968, o efeito final de tudo isso, depois do esforço que fizemos para acabar com a guerra, levou o país na direção oposta, quando Richard Nixon se tornou presidente", explicou.

"Se um caos semelhante provocado por manifestantes anti-Israel ocorrer nas ruas de Chicago, é possível que o resultado em 2024 seja a eleição de Donald Trump."